sábado, 1 de agosto de 2020

A SÍNDROME DE ITABAIANINHA



                      Pelo Prof. Dr. Manuel Hermínio de Aguiar Oliveira


A palavra síndrome significa um conjunto de sinais e sintomas que define as manifestações clínicas de uma doença ou condição clínica, independentemente da sua etiologia. Às vezes a síndrome recebe o nome do médico, que a descreveu pela primeira vez, por exemplo, a Síndrome de Down. Outras vezes recebe o nome do paciente, ou do lugar primeiramente descrito, como a síndrome de Estocolmo, que descreve um estado psicológico particular no qual, uma pessoa, submetida a um período yde intimidação, passa a ter simpatia, amizade, e até amor pelo seu agressor. Os leitores desta coluna estão tendo acesso, pela primeira vez, ao termo “A Síndrome de Itabaianinha”, que será oficialmente lançado em um número especial temático, dedicado à deficiência do hormônio de crescimento (GH) em importante revista medica internacional.

A secreção do hormônio do crescimento (GH) pela hipófise, uma glândula endócrina situada na base do crânio, foi um marco histórico na evolução dos vertebrados, incluindo o homem, possibilitando o crescimento e alongamento do corpo, e aumentando suas chances de obter alimento e de se reproduzir. Desde 1994, estudamos um grupo extenso de 105 indivíduos com deficiência do GH (vivos ou mortos) por oito gerações, residentes no município de Itabaianinha. Todos os indivíduos afetados apresentam uma mutação inativadora do gene do receptor do hormônio liberador de GH. Esses sujeitos viviam anteriormente na vila de Carretéis e seus arredores, uma área cercada por montanhas próxima aos municípios de Riachão dos Dantas e Tobias Barreto. O isolamento geográfico, a alta freqüência de uniões consanguíneas, sua histórica nula mobilidade, com longevidade normal foram as principais causas para a concentração dessa mutação nessa área específica. Atualmente, a maioria dos indivíduos com IGHD se mudou para o município de Itabaianinha, enquanto onze deles se mudaram para outras cidades. O aumento da mobilidade dos indivíduos afetados e seus familiares, e a crescente conscientização de sua causa genética atenuam a chance de encontro de genes mutados, reduzindo o nascimento de recém-nascidos afetados. Este motivo, aliado ao tratamento atual, facultativo, de crianças acometidas, tornam o estudo completo dessa comunidade ainda mais importante, pois ela não durará para sempre.


Os principais achados físicos da Síndrome de Itabaianinha incluem baixa estatura com proporcionalidade dos segmentos corpóreos, face de boneca ou de anjo barroco, voz aguda, obesidade central, pele enrugada e cabelos com pigmentação atrasada em crianças e adolescentes e ausência virtual de canície mesmo na velhice. No entanto, esses indivíduos exibem um abundante e diverso repertório de manifestações fenotípicas em todo o corpo, com um número maior de consequências benéficas do que prejudiciais à sua saúde em geral, e com consequências positivas na qualidade de vida e na longevidade.


É intuitivo que um tamanho e composição corporal adequados proporcionem uma vantagem evolutiva em termos de obtenção de alimentos e reprodução. No entanto, o crescimento normal envolve alguns custos em termos de doenças ligadas ao envelhecimento e a redução da longevidade. Portanto, um tamanho pequeno do corpo pode tornar esses dois aspectos compatíveis. A altura adulta em indivíduos não tratados é de 128 cm nos homens e 117 cm nas mulheres. Por outro lado, o tamanho ao nascimento é normal. Esses dados indicam que o GH não é realmente um hormônio de crescimento perene, mas um potente fator de alongamento pós-natal.


Na Síndrome de Itabaianinha, a altura é mais comprometida do que o tamanho da cabeça, o que pode refletir o fato de que grande parte do crescimento do cérebro e do crânio ocorre no início da vida, quando o crescimento é menos dependente do GH da hipófise, enquanto o alongamento do resto do corpo é principalmente pós-natal e fortemente dependente de GH hipofisário. Esses dados indicam que as consequências da deficiência do hormônio de crescimento no desenvolvimento ósseo não são uniformes e são provavelmente influenciadas por fatores locais, de acordo com uma hierarquia de funções. Por exemplo, o tamanho do crânio e conseqüente do cérebro parece mais relevante que o tamanho do corpo. Consequentemente, o crescimento do cérebro pode ser mais preservado que o crescimento da estatura. Esta hierarquia de funções (cerebral, ocular, imune e reprodutiva, dentre outras) estabelece um balanço entre tamanho e funções corporais, onde o hormônio de crescimento tem uma importância fundamental. Os nossos estudos sugerem que estes indivíduos que vivem com níveis muito baixos de hormônio de crescimento apresentam sistemas compensatórios, provavelmente em cada tecido, mantendo uma saúde de maneira geral satisfatória, e com longevidade normal.


A descrição da Síndrome de Itabaianinha é uma obra da UFS, com parceiras nacionais e internacionais. Esta descrição amplia o conhecimento e o manejo de inúmeras condições comuns como a baixa estatura, as doenças cardiovasculares, o diabetes, o câncer e melhoras o entendimento dos fatores que controlam nossa longevidade. Deixa de ser um assunto exótico, para contribuir diariamente com a saúde de muitas pessoas, em qualquer parte do mundo.

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Prof. Dr. Manuel Hermínio de Aguiar Oliveira – Professor do Departamento de Medicina e do Núcleo de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFS